quarta-feira, 23 de outubro de 2013

"Chegam a dizer que sair do luto é trair a memória do falecido. Nunca lhes ocorreu que cultivá-lo pode ser contra a vontade da pessoa que se foi!"

No dia do velório da Lenir, ao voltar para casa, vivendo uma espécie de torpor, onde nem mesmo a dor do seu falecimento conseguia romper, encontrei numa agenda um texto que me chamou atenção. Era um texto de um padre católico que falava sobre o luto. Podia até mesmo não concordar com todas as palavras deste padre, mas ali estavam palavras de consolo. Era como se Deus tivesse me deixado aquele texto para o momento que eu mais precisava. Passado dois anos deste episódio encontro outro texto do mesmo padre (Padre Zezinho) falando sobre o TEMPO DO LUTO. De tudo o que me chamou mais a atenção foi a ideia de que as datas de um episódio como o que "chamamos morte" ( Pierre Weill nos fala da Morte da Morte) era na realidade a Celebração da Ressurreição. É assim que compartilho com meus filhos, netos, parentes e amigos esta data, que  na minha linguagem chamo de TRANSMUTAÇÃO da consciência. Segundo meu próprio sistema de crença Lenir vive hoje o estado de uma consciência mais alargada, que inclui paz,  plenitude e um amor mais universal. Então é desta forma que celebro sua memória, procurando fazer do meu próprio sentimento um gesto de consolo e superação para os que ainda vivem a dor do luto. Eu vivo agora a alegria da transmutação, que pode incluir saudade, mas que é antes de mais nada um sentimento de paz.      Lembra-nos padre Zezinho: " Cremos que os que morreram são os primeiros a pedir que paremos de cultivar sua morte."  

"UM PRAZO PARA O LUTO
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Comentei em abril de 2011, por ocasião do triste episódio da escola do Realengo que, com raras exceções, o luto tem um prazo. Aos poucos, até de maneira inconsciente a pessoa vai se adaptando à ausência da pessoa amada como se adapta às grandes feridas do corpo. Graves acidentes costumam exigir mais tempo para a cura, mas a dor passa, a ferida é sanada e as cicatrizes que ficam lembram o que houve, mas doem menos o quase nada porque acabaram os dias de chaga viva.
Poucas pessoas cultivam luto prolongado. E não é nem nunca foi falta de amor. É dor superada. Aqui e acolá sabe-se daquela mãe, e daquela namorada ou daquele pai para quem a vida acabou. Seu amor foi para o lado de lá e eles ou elas se trancaram do lado de cá. Ou jogaram as chaves fora, ou não as acham, ou não querem sair do seu isolamento. Dizem que não conseguem controlar, mas é dor consentida e cultivada. Chegam a dizer que sair do luto é trair a memória do falecido. Nunca lhes ocorreu que cultivá-lo pode ser contra a vontade da pessoa que se foi! Afinal, se o céu existe e se a pessoa está com Deus a ultima coisa que ela, marido, esposa, filho, filha desejam é ver que quem ficou decidiu parar de viver.
Para a maioria o que era ferida, agora é marca que não dói; o que era perda, agora é paz. Se crêem entendem que haverá um reencontro. Como, ninguém sabe, mas haverá. O aqui que terminou para quem se foi também terminará para quem ficou. Haverá um depois e nele as almas se encontrarão numa dimensão que só quem morreu conhece.
Pregadores da fé, além de crer num depois, costumam fantasiá-lo. Crer é uma coisa, fantasiar é outra! Imaginam o Deus que nunca viram e imaginam o céu que também nunca viram. Vivem mais dessas imagens criadas do que da fé que afirma saber que há, mas não como é!
Magistralmente São Paulo propõe aos seus discípulos que se consolem com palavras de esperança. A carne irá para o túmulo, mas não nós. Somos mais do que nosso corpo. Haverá um depois não para o corpo, mas para a pessoa que somos. Quem perde as duas pernas não fica pessoa pela metade. Quando o corpo morre, a pessoa não morre. No dizer da igreja, a vida não é aniquilada, mas transformada. Seremos a mesma pessoa, mas não com os mesmos detalhes físicos. Jesus ressuscitou e atravessava portas. (Jo 20,26).
Para nossa fé a morte não é o nosso último ato e nem o túmulo o nosso último endereço; do corpo, sim, mas não da pessoa que somos! (1 ts 4,13-18) E não pedimos aos mortos que venham até nós. Esperamos sofridos, mas serenos, o dia de irmos até eles.
Cremos que os que morreram são os primeiros a pedir que paremos de cultivar sua morte. Não vestíamos luto enquanto viviam aqui; não vestiremos agora que se foram, sobretudo se cremos que estão na plenitude. Sabem mais do que nós: conhecem os dois lados do viver. Nós, apenas este… Deixar claro que só estaremos bem se eles se manifestarem não seria o mesmo que exigir que voltem. E isto não seria pensar mais em nós do que neles?…
Pe. Zezinho scj