quarta-feira, 24 de outubro de 2012

24 de outubro de 2012 - "Em Tuas mãos entrego meu espírito"


CORPO


Este desconsolo de ficar
Numa hora insuspeita da noite
Diluído numa sinfonia abstrata
E perante a transitoriedade do amor
Ir buscar no sono distante
A fuga da fuga!

Meu coração se incorpora
À terceira galáxia
E se recusa – violento –
Desprender-se do eterno.
Talvez se memória ajudasse.
Se um corpo de mulher

- um corpo etéreo de mulher –
Surgisse sobre o ombro
Para colher este poema
- uma flor de bronze –

E depois submergisse
Ao contato de outro corpo
- meu corpo perplexo e confuso –

O dia seria uma conjugação possível.

Mas o tempo avança,
Se enrosca aqui e acolá,
Anuncia tornados, isola os amantes,
Sufragando uma noite peremptória
na alma de descuidado vivente.

Na infância aprendi lições de romantismo.
Na idade adulta
Estas lições agora emolduradas

Em velhos casarões

Reúnem-se a incríveis paisagens
Para zombar dos descuidos sentimentais
Que a cada espaço de vida
Desfalecemos

            - a vida vira coisa incerta -.

Mas se a memória ajudasse!
Porém o ar retém uma imagem
Que obscura o cérebro,
Conduz a insônias terríveis
E – de surpresa – repousa no travesseiro
Para ternamente dizer de um tempo pretérito

Onde certa vez o amor aconteceu de súbito.
Não.
Não há consolo quando o coração
Pretende fugas ao eterno.

Madrugada começa a busca
de um sucedâneo para a solidão.

Será vão – mas percorremos o quarto vazio:

            - Lençóis rebuscados restam

           Como testemunho da febre

            Que antecede a diluição da entrega –

Só mais tarde,
Muitíssimo mais tarde,

Ocorre de improviso
Ao artista que em pleno palco

Perdeu sua máscara:

            O corpo é a um só tempo:

            - fogo, miragem, espera.

(Observação: se não me engano este poema foi escrito em 1974. Ele tem algo de “precognição” pela experiência que vivenciei após o falecimento da Lenir. Na data de ontem eu creio ter deixado a Lenir - e a mim  mesmo - realizarmos nossas libertações.)