quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Tempo - o Poema Provisório

Certas lições aprendi com as estrelas;
Destas que já tarde,
quando as horas se despem de suas folhagens
                            mais solenes e ríspidas,
descobrimos
num canto da sala,
Indiferente ao seu poder de luz.

Repetidamente interrogamos
perante surdas muralhas:
Porque voltar para casa
se o dia é como um raio
que nos transporta
a subterrâneos cristalinos,
onde o amor explode
indo esbarrar no perímetro
de nossa impossibilidade humana?

No final de tudo fica uma vontade maior;
Fica um trejeito imprevisto,
interrogando a praia e o obscurantismo
de passados soterrados na memória
e de um tempo cuidadosamente esquecido.

Ante o conjunto de opções
não me contenho e prossigo:
(o que é esse tempo mergulhado
em folhinhas de mulheres nuas?)

No entanto contarei a todos os meus alunos
A história dos homens. Hoje contarei.

Há muito reservo – corrompendo
Em cantilenas o circuito mais próximo, -
Um beijo épico, que contasse
Um tempo no pós-manhã. Um tempo
de descuidado passeio
pela viela vespertina.
Provisoriamente o sol não chegou
Sequer na esquina
Dos nossos laboratórios futuristas.
Ainda assim haveremos de amanhecer
Em qualquer aurora.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Um canto secreto

Uma constelação mal disfarçada
Sobre a face esquerda;
Um sorriso de febre. E o tempo...
E dizer que nem havia percebido
quando a noite – infinitamente noite,
de súbito bloqueada em seu poder de fel
submetia-se a um sol repentino,
que
avançada madrugada propunha eternidades!!!

Deverei sucumbir sobre garras róseas?
E mais tarde perder-me
Em longas cartas a meus avós longínquos?

Em 1902 – se tanto !– a vida cabia em lençóis minúsculos
E pequenas xícaras de chá.

Hoje apenas percebo em mim
Certas constelações insuspeitadas,
Numa memória retilínea
E razões abstratas, de onde subtraio
Um horóscopo particular.

No entanto
Eu devia ter te avisado
Que ao beijo morno da donzela
Lobos perigosos pulam
De minha gravata tímida
E colarinhos angulosos
Convertendo tíquetes sentimentais
Em sabres afiadíssimos, que
Aos poucos
Vão extraindo do meu pouco coração
Perigosas noites de angústia e medo.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Poemas para seduzir você

I
Não te exponhas
                   Em demasia.
Não quero apenas
                   A fantasia
                   Dos teus seios.
Quero a tua alma
                   Tua calma.
Quero a tua carne
         E o teu charme.
Quero teu fragmento inteiro.
II

Você sabe versejar?
Então venha.
Caminha sobre o meu ventre.
Deixa repousar nas águas
                   Do São Francisco
                   ( por que é Minas)
O calor o teu jeito bravo.
Venha.
Que não haja constrangimento
No teu desejo animal.
III
É febre isto que você tem?
Teu calor despertou alarme
no quartel da guarda florestal.
Mas este teu desejo...
         Esta tua vontade...
Esta forma de experimentar a vida...
É plenamente tua.
                   02/08/86

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

SINFONIA DE AMOR

(Para a mulher que me ensinou a amar)

Debruçado sobre os fragmentos do passado
Indago nesta dimensão do tempo
                        que se fez eterno
minhas precárias possibilidades
                        de um compositor de estrelas.

Visito teu dorso;
Viajo sobre teu ventre;
Trafego em todos os limites
                        de tua epiderme tenra.

Sei que a pré-aurora prenuncia versos
De um vocábulo jamais traduzido
E, no entanto
Na vasta constelação dos meus sonhos
Eu te sinto desde toda a eternidade.

Teu nome é meu canto; teu amor
            É esta vida que construo,
Subtraindo de uma arquitetura cósmica
A energia de todas as possibilidades.

Por que, meu Deus, por quê?
me conferiste a harmonia deste amor tão profundo
sendo eu um viajor tão precário
conduzindo o leme com mãos de aprendiz,
inda que carregado da intenção dos arqueiros?

Mas como um carpinteiro de dotes elementares
Recorto no lenho tua forma bela de mulher.
Atrevo balbuciar teu nome – Lenir
E te ofertar meus medos, minhas fraquezas,
A multiplicidade de minhas dúvidas
E com a força de um pássaro,
Enfim tornado gigante, deposito como uma flor,
No centro hemisférico do teu coração
O único verdadeiro legado – meu amor
Em toda sua dimensão,
Em toda sua cumplicidade,
E para todo o sempre, eterno.


12/06/1989

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

TALISMÃ

O pássaro-fêmea nasceu
do fogo, do ar, da terra.
Suas plumas teceram-se
sobre os ventos de sudoeste.
Seus olhos bordaram-se
no mágico instante da espera.
O pássaro-fogo nasceu fêmea.
Tirou do ar sua fluidez
         ( o movimento arrítmico
                   do coração)
Tirou da terra
         porções secretas.
Banhou-se em nuvens elétricas,
pousando sua penugem
entre prótons e neutrinos.

A mulher-fogo nasceu Leão,
Num momento em que Vênus
Estendia para o Sol
Fios contaminados
De rumores insuspeitos.

O Sol confundido perdia
Um pouco de sua febre
Para a fêmea, enfim
Submergida a um lençol do mar.
A mulher-mulher nasceu Lenir.
verso infinitivo que inda se conjuga
em cada detalhe constelar.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Seu nome é Lenir: o infinitivo de um verso.

De repente tudo cessou.

Nem o silêncio contempla minhas miragens.

Entre o primeiro e o segundo trovão cada

intervalo

é o intervalo que o afasta do infinito.

Mas quando tudo cessa? Em vão pronuncio seu nome.

Alguma flor?

Algum jardim que se delineie na primeira vesperal da rosa?

Não.

Definitivamente a rosa se esquiva no primado de todos os perfumes.

E nenhum intervalo vem para compor mínima

sonata de primavera. Porque afinal a soma de todos os intervalos

em pouco ou nada roça o infinito.

Em bom tom pronuncio seu nome – Lenir.

Um verbo que procura seu infinitivo?

A cura de todas as curas? Lenitivos! Porque minha amada se foi?

Haverá transitoriedade perante o amor mil vezes proclamado?

No entanto de novo pronuncio – Lenir.

Uma síntese? Precária demais para se ocultar na outra face do tempo?

Se posso proclamá-la,

Se posso recitá-la,

Por que então partis te?

Nenhum vazio vem para contemplar-me a face.

No entanto franqueio meu coração

Para toda sua substancialidade.

e o verso do seu anverso.

A na antevéspera do outono

conjugo todos os tempos do teu nome. Assim

como se conjuga a vesperal do anti-tempo.

28/10/2011

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Proclamação da Vida (Poema premiado em 1975 pela Editora Abril)

Em certa hora vespertina de abril
(o vento entretido com adjetivos celestes,
ligas de bronze, cimento e cristais)
arrisco na fuligem da cidade
que se promete em sangue
o verbo explosivo da vida.
Este desdobrar em dois
A promessa secretamente anunciada
Num ventre de fêmea,
Quando nem sequer pássaros mais ambíguos
Arriscavam-se no espaço definitivo de uma gaiola;
Quando nem sequer flores
Ousavam com seus perfumes
Povoar longas avenidas
Com seus flertes efêmeros!
O mistério transpôs os limites
De todas as gramáticas,
Todos os vocábulos,
Explorando num tatear de brisa
A multiplicação das células
Enfim, tornadas, fogo.
Viajo a antevéspera de tuas formas;
Teus braços, teus olhos, que um dia se abrirão
ao contorno das coisas domésticas,
Das estrelas, do tédio e da febre.
Teus lábios, hálito morno de flores,
Um dia obrigado ao silêncio
De discursos jamais recitados.
A força de tuas proteínas, os minerais
que compõem teu sangue, o poema que antecipa
teus primeiros passos,
como a valsa embriagada das constelações.
Meu filho –
Como poderei com forja rude onde aprendi o ódio
Ensinar-te o sorriso dos deuses?
Sinto teu coração repicar
O sino de um templo sagrado.
Sinto teus movimentos
No universo finito, onde lapidas
O brilho embaraçado do sol.
Sinto todo teu corpo
Que se prepara à moda dos guerreiros
Para saltar na praça central da república.
Ouço o sangue que percorreu tuas veias
E retornou em circuito de labirintos
Ao centro físico de minhas angústias.
Trazia uma linguagem, que nenhum sábio
Ousou traduzir, nos manuais primitivos
Da ciência que nos tornou anfíbios.
Em silêncio ouço teu canto de vida.
Vem meu filho. Poderei dar-te o dom da palavra.
Iniciá-lo no manejo de máquinas
Que jamais compreendemos
E no entanto
Compõe nossa mesa, na refeição matutina.
No diálogo mudo
Implantado em todos os canais de fala humana.
Se domingo, iremos ao parque dos leões.
Ao gabinete dentário, a um baile de máscaras.
Convém que entendas certas minúcias desta comédia.
Cruzaremos avenidas polvilhadas de símbolos,
Regras cívicas, fumaça e contravenções penais.
Cruzaremos terras minadas com o napalm, injustiça e medo.
Festejaremos todas as datas autorizadas no calendário.
         !Fadas e pirilampos, meu filho, encontraremos no comércio
         A título de liquidação!
Ainda assim eu te digo:
-Vem meu filho.
Vem me ensinar o sorriso dos deuses.


Observações: este poema foi criado em parceria com a Lenir. Nesta ocasião (1975) ela estava grávida do Fabrício, nosso primeiro filho. Este poema foi premiado pela Editora Abril, em um concurso nacional, da revista Cláudia.
Lenir recebeu o primeiro prêmio, ganhando inclusive todo o quarto mobilhado para o Fabricio. Nesta época um médico de São Paulo fez um diagnóstico que a Lenir estaria com cisto ovariano e deu-lhe medicamentos para expulsar o cisto. Sempre muito intuitiva a Lenir recusou-se a tomar a medicação, convicta de “nossa” gravidez. Este assunto e o “erro médico” foi objeto de uma ampla matéria feira pela própria revista Cláudia.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

CANÇÃO DE NINAR MULHER

Fica definido para todo o sempre
Que você, e só você, me inspira,
Muito mais do que o sol de primavera;
E que as noites estreladas serão apenas um candelabro
Para contornar o feitio do teu olhar.

Por definição universal e irrevogável,
Agora e para sempre,
Vale apenas o amor.
Não um amor qualquer,
Desses fugidios,
Mas o nosso amor
Que se inscreve na respiração de nosso ofego.

Fica decidido
Que a palavra amor será proibida,
Porque as palavras resultam pequenas
Para decifrar o fogo que funde as nossas almas.

Todos os dias
Serão dias de observar uma pérola,
Sem pressa ou voracidade.
Sendo permitido indagar:
Que segredo Deus me reserva
Em cada curvatura,
Este sol condensado,
Fragmento de mistério e leveza
Que jamais se decifra
e apenas se bebe, uma sede que nunca se apaga.

Porque e tão somente porque,
Apenas você que me inspira
E no instante mais cotidiano
Me faz reter o fôlego,
Sentir frio na barriga,
Olhar o relógio
Um número infinito de vezes,
Como se a eternidade
Se aprisionasse nesse tique-taque
E apenas em sua presença a paz de novo se instala.

Apenas você que me inspira
E restabelece em minha vida o sentido de viver.
Porque a vida que vale
é esta que confabula com o nosso amor e nossa paz.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Celebração do Amor

Ato 1


A primavera avançava outubro afora
Prometendo singelas oscilações de humor,
Conquanto de cinza se cobria e
no retorno, já finzinho de tarde,
Deixava um hálito frio soprando no cangote das meninas.

Nem isto
Nem por isto, nem se isto em algum império impusesse sua tristeza,
Constrangeria minhas fronteiras.
Não, ainda não é tempo de lágrimas abundantes,
Nem o sopro
Que outrora trazia seu conforto de soslaio,
Para que as solteiras sequer percebessem as intenções, sem qualquer mágoa,

De um rudimentar poeta, de estilo esquivo.
E mais esquivo que toda política poderia conter no parlamento.
Outubro tem este jeito de prometer aromas e veleidades florais,
Se bem inda confabula com as tardes nevoentas.
Mas o tempo avança, ameaça, se enrosca, anuncia tornados, isola os amantes,
Sufragando uma noite peremptória na alma de descuidado vivente.
Agora era sua vez de pular amarelinhas e você se foi.
Agora não há mais brinquedos,
Não há
A surpresa do presente aberto sobre pinheiro de Natal. Não
Ah! Como tudo se foi
E o silencio carregou-se de todas as noites sem qualquer estrela.

Ato 2.


Este desconsolo de ficar
Numa hora insuspeita da noite
Diluído numa sinfonia abstrata
E perante a transitoriedade do amor
Ir buscar no sono distante
A fuga da fuga!

Meu coração se incorpora
À terceira galáxia
E se recusa – violento –
Desprender-se do eterno.

Talvez se memória ajudasse.
Se um corpo de mulher
- um corpo etéreo de mulher –
Surgisse sobre o ombro
Para colher este poema
- uma flor de bronze –
E depois submergisse
Ao contato de outro corpo
- meu corpo perplexo e confuso –
O dia seria uma conjugação possível.

Na infância aprendi lições de romantismo.
Na idade adulta
Estas lições agora emolduradas
Em velhos casarões
Reúnem-se a incríveis paisagens
Para zombar dos descuidos sentimentais
Que a cada espaço de vida
Desfalecemos
- a vida vira coisa incerta -.

Mas se a memória ajudasse!

Porém o ar retém uma imagem
Que obscura o cérebro,
Conduz a insônias terríveis
E – de surpresa – repousa no travesseiro
Para ternamente dizer de um tempo pretérito
Onde certa vez o amor aconteceu de súbito.


Não.
Não há consolo quando o coração
Pretende fugas ao eterno.

Madrugada começa a busca
De um sucedâneo para a solidão.

Será vão – mas percorremos o quarto vazio:

Lençóis rebuscados restam
Como testemunho da febre
Que antecede a diluição da entrega

Só mais tarde,
Muitíssimo mais tarde,
Ocorre de improviso
Ao artista que em pleno palco
Perdeu sua máscara:

O corpo é a um só tempo, fogo, miragem, espera.